sábado, 18 de fevereiro de 2012

É Carnaval

Minha relação com o carnaval vem desde criança. Nasci no mesmo bairro da Escola de Samba Nenê de Vila Matilde. Era levado no colo por meus pais para ver os desfiles de blocos e cordões que aconteciam na Vila Esperança, bairro que foi eternizado por Adoniran Barbosa, “Vila Esperança, foi lá que eu passei, o meu primeiro carnaval, Vila Esperança, foi lá que eu conheci Maria Rosa, meu primeiro amor...”. A brincadeira entre a molecada do bairro, baseava-se em molhar uns aos outros e de vez em quando, alguém que estava passando naquele momento, com água colorida, feita da diluição de água com papel de seda, para manchar as roupas temporariamente, que colocávamos em uma “seringa” e espirrávamos nas vítimas, jogar ovos e farinha, isso quando as nossas mães não viam, caso contrario era surra na certa. Foram dias memoráveis. Mesmo não podendo correr atrás da moçada, ficava sentando esperando que alguém viesse me molhar e aí aproveitava e também jogava meu “sangue do diabo”, esse era o nome dessa mistura, na pessoa. Gostava de ficar em cima do muro da casa onde morava e de lá molhar quem passava.
O bairro sempre foi muito carnavalesco, surgiram vários blocos, inclusive um que ajudei a fundar (ou a afundar), chamado “Suvaco de Cobra”, não durou muito, éramos muito desorganizados. A segunda escola de samba do bairro foi a Flor de Vila Dalila. Foi por ela que fiz meu primeiro desfile oficial, quando as escolas de samba. ainda desfilavam na Avenida Tiradentes. Uma experiência impar: desde freqüentar a quadra, aprender a cantar o samba enredo, experimentar a fantasia e, finalmente, entrar na avenida. Rodopiar com a cadeira de rodas em plena Tiradentes, acompanhando a evolução da escola, com a vibração da multidão aplaudindo e cantado: caracas, que emoção! Infelizmente não participei de nenhum outro desfile depois desse.
A escola de samba, Grande Rio, do grupo especial, levará ao Sambódromo, no dia 20 de fevereiro, atletas paraolímpicos para desfilarem, como exemplo de superação, dentro do enredo “Eu acredito em você. E você?”. Contínuo acreditando. Estamos nós, deficientes físicos, cada vez mais integrados e conscientes de nossos direitos e deveres. Um ótimo carnaval a todos os amigos do blog...Fotos Google Com revisão do texto da amiga KGL.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O meu sentir...

Assistindo a um vídeo da atleta, atriz e ativista americana Aimee Mullins, que nasceu com má formação óssea nas pernas e teve que amputá-las logo abaixo dos joelhos quando tinha apenas um ano de idade. Entre outros assuntos, aborda como as pessoas olham para o deficiente físico. A certa altura do vídeo, diz que uma senhora lhe disse que ela era muito bonita e não parecia ter deficiência alguma. Diz para a plateia: não me sinto deficiente.
Utilizei desse preâmbulo para falar um pouco mais sobre como vejo e sinto a minha deficiência. Sempre fui muito alegre. Amigos e vizinhos de minha família viviam dizendo o quanto era bonito e emendavam: que pena que é “aleijadinho” (nunca gostei de ouvir esse termo). Escutei esse tipo de comentário muitas vezes na minha vida. Foram poucas as vezes que me senti como deficiente, como “coitado” (que palavrinha maldita essa),principalmente quando o assunto eram as garotas, achava que as meninas não queriam nada comigo por ter deficiente. Más essa é outra história e volto a ela em outros textos. Também não usei dessa condição para me favorecer seja de que forma fosse. Lembro que quando tinha uns 12 anos, minha mãe queria que vendesse bilhetes da loteria federal numa esquina do bairro onde morava. Não aceitava e, para me convencer, usavam o argumento que determinada pessoa que tinha uma deficiência “até maior que a minha” não tinha vergonha da profissão. Não era vergonha que sentia. Queria estudar, me formar e assim ter um emprego melhor. Claro que tive e tenho dificuldades, como qualquer outra pessoa, mas não reputo esses, à deficiência. Fiquei alguns anos sem estudar por conta do tratamento no Hospital das Clínicas e isso me incomodava muito. Um dos meus primeiros empregos foi para uma empresa familiar que distribuía carnes bovinas e suínas. Trabalhava no escritório que ficava na residência da família. Um dos irmãos acabara de entrar na faculdade e a irmã, professora em escolas do estado, viviam dizendo que deveria voltar a estudar. Depois de cinco anos voltei a estudar. Quinta série, na mesma escola onde havia terminado o ensino fundamental.
A minha cadeira de rodas nem sempre estava em condições de ser usada, os outros garotos adoravam pegar uma “carona”. Havia uma descida para se chegar à escola e sempre descia pelo menos um amigo na “traseira” da coitada. Assim não tinha cadeira de rodas que agüentasse. Como éramos pobres, as mesmas eram doadas pelo Serviço Social e quando quebravam tinha que levá-la para consertar na bicicletaria perto de casa (e nem sempre tínhamos dinheiro para pagar).
Por esse motivo, para não perder as aulas, usava um carrinho de rolimã, nessa época, era o meio de locomoção que mais utilizava. A cadeira de rodas era para ir à escola. Gostei muito de ter voltado a estudar. Me envolvi, nesta época, com o movimento estudantil, e é bom lembrar que vivíamos em plena ditadura militar. Não era permitido, a nós estudantes, falarmos sobre política, governo, ou os dois partidos que existiam: Arena e MDB. Só restava nos envolvermos com os campeonatos internos, as festas e a feira de ciência. Até o nome das chapas que concorriam sofriam censura por parte da direção, essa situação só foi mudar no final dos manos 70, começos dos 80, com a abertura política. Imagens Google

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Um pouco mais sobre mim

Meu primeiro ano na escola não traz boas recordações, toda sala foi reprovada. Explico. O professor, sim era um professor primário, pois naquela época a profissão era reconhecida e os salários melhores, ficava namorando a mulher que nos servia os lanches. Para não deixar a sala de aula sem comando, ele colocava a filha da merendeira para passar as lições. Tivemos que refazer todo o primeiro ano, pois descobriram que não era o ele quem aplicara as aulas e as provas. Foi um martírio grande ter que repetir todos os exercícios iniciais de aprendizagem quando já estava alfabetizado. Durante todo primário fui levado para a escola no colo por minha mãe, ela me deixava na carteira onde ficava até que vinha me buscar no final da aula. Chovia ou fazia sol, grávida ou não, lá estava eu na sala junto com os outros alunos. Foi nessa época que desenvolvi continência urinária, pois não saía da classe para os intervalos e tinha que segurar a vontade de ir ao banheiro. Do segundo para o terceiro ano, mudei de escola, voltei a morar na mesma casa onde havia nascido. O diretor da escola não queria me aceitar como aluno, dizia que meu caso demandava educação especial e que não estavam preparados para receber um aluno deficiente físico. Depois de muito choro e argumentos de minha mãe (que eu não daria trabalho e que me levaria e buscaria), o diretor cedeu e pude concluir o primeiro grau.
Só voltei a estudar quatro anos depois. Neste período fui fazer tratamento médico, fiquei internado várias vezes nas Clínicas a fim de fazer cirurgias que melhorassem minha condição física. Por ser muito “arteiro” acabei desenvolvendo uma escoliose muito acentuada na coluna vertebral. Lembro que em uma tarde, quando tomava banho, minha mãe perguntou o que era “aquela bola” em minhas costas. Não soube responder e percebi que algo grave havia ocorrido comigo. Chorei muito, mas muito mesmo, pois além da paralisia infantil tinha adquirido outra deformidade.
Em outubro de 1970, logo depois do Brasil ser Campeão Mundial de futebol no México, fui internado para a grande cirurgia. Foram 75 dias de internação, a maior parte desse tempo foi para tratar de uma anemia. Enquanto esperava o dia para ser operado, passei a compreender e entender o dia a dia de uma Instituição Total, que consiste em controlar a vida dos indivíduos a ela submetidos substituindo todas as possibilidades de interação social por "alternativas" internas. Os pacientes perdem completamente sua identidade pessoal, vestem-se com um uniforme – nesse caso um avental branco aberto nas costas, os cabelos cortados semanalmente de forma igual para todos, as visitas tinham dia e horário para acontecer. Havia a ala dos homens e a ala das mulheres, em andares diferentes.
Sentia-me como Jack Nicholson no filme “Um Estranho no Ninho”. Fui chamado atenção três vezes e recebi uma advertência. Os motivos foram: promover corrida em cadeira de rodas, vestir-me de múmia usando as faixas do setor de curativos para assustar os mais novos, visitar a ala dos infectados (que era determinante proibido) e, por fim, por namorar. Edna, esse era o nome dela, foi minha primeira namorada, nos conhecemos na missa de domingo celebrada na capela do hospital, e não me contentava em vê-la só nos fins de semana, às vezes dava uma escapada e ia visitá-la em sua ala. Isso foi a gota d’água. Chamaram a minha mãe e a comunicaram que não poderia mais fazer parte do quadro de pacientes e que estava liberado para voltar pra casa. Somente com a intervenção das enfermeiras é que fui impedido de retornar pra casa mais cedo. Em dezembro sofri a cirurgia, quase trinta pontos nas costas e um colete de gesso de dois dedos de espessura. Estava momentaneamente no estaleiro. Fiquei com esse gesso durante nove meses, um parto. Com o passar do tempo quase não percebia o seu peso e o incômodo que ele causava. Coloquei os aparelhos ortopédicos e a comecei fazer fisioterapia, só que não com a frequência necessária, pois dependia de um tio que tinha carro e sua disponibilidade pra me levar ao hospital. A verdade é que não me adaptei com os aparelhos, vivia caindo e me machucando. Resolvi ser cadeirante. Estava com 16 anos, meus amigos estavam estudando e comecei a me preocupar com isso. Havia parado no primário e haveria um longo caminho pela frente, quanto mais cedo começasse mais rápido terminaria e uma das máximas lá de casa era: se com estudos já é difícil, sem ele seria impossível arrumar um bom emprego.
Agradecer a KGL pelas dicas. Imagens Google